segunda-feira, 29 de maio de 2017

Prometeu Acorrentado

Covarde! Tu és, mil vezes, covarde! Já não basta a ti grunhir como os porcos e ladrar como os cães: tu anseias ser porco e também cão! Tu te enches de uma coragem falha e tímida que só serve para metamorfosear-se em coisa insignificante na hora de pôr-se em prova. Mesmo os porcos têm vergonha de teu grunhido aberrante, e mesmo os cães silenciam-se diante de teu ladrar a fim de discernir a boca que lança sons tão abomináveis. Tu, ó criatura deformada, rasteja não por ser serpente, senão porque teus membros já não dispõem de serventia alguma. Avalias que minhas palavras são duras? Pois digo-te que a verdade faz doer muito mais que a ave que devora tuas vísceras!
Ó Prometeu Acorrentado! Amo-te como o céu ama o mar, mas teu amor por grilhões impede-me que te socorra de teu pungente lamento! És de tal forma afeiçoado às correntes que não hesita em entregar de bom grado o fígado à tua desgraçada águia. Até mesmo confundo-me quanto aos gritos vindos do alto do Cáucaso, porquanto não posso identifica-los como motivados por dores ou prazeres. Digo-te, ó Amigo dos Homens: amaldiçoa Zeus e também Hefesto! Deixa de lado tua covardia e berra a plenos pulmões a mais variada sorte de injúrias aos teus malfeitores, àquele que te condenou ao sofrimento diário e àquele que forjou tuas cadeias! Cuspa tua saliva rançosa na face daqueles que são mais insetos que deuses!
Tu deixaste que te vazassem os olhos e entregaste de boa vontade tua língua aos lobos. Agora já não vês e não falas: tornaste-te um cordeiro à mercê dos teus açoitadores. Tua maldição paira sobre teu semblante esperando que estejas novamente inteiro – assim é que tua ave aguarda pacientemente a valorosa refeição. Ponho-me a gargalhar nervosamente quando vislumbro tua figura desnutrida: tua boca espuma pelos cantos e tu me espias languida e estupidamente como se em teu crânio teus miolos já houvessem sido moídos. Ai! Esperanço-me que tenha restado em ti uma fagulha de lucidez para que não te prontificasses a furar teu precioso tímpano! Se assim tiver sido, imploro-te: ouça-me, ó Ladrão das Chamas!
Ainda há tempo para que te libertes de tua maldita sina! Se pensas que tua ominosa águia é já tua única fonte de sensações, estás plenamente enganado. Deixa de imaginar que tua dor pungente é prazer e abrace o prazer verdadeiro! Prometeu, aguça-te bem os ouvidos: posso trazer a cura para teus membros inválidos, teus olhos vazados e tua língua extirpada! Tu podes ser grande como um dia foste; basta que deixes de lado afeição tão profunda pelas cadeias. O que? Tens compaixão da águia que se alimenta todos os dias da tua vida e que morrerá de fome caso tu te decidas pela libertação? Ó criatura estúpida: amaldiçoa tua desgraça! Deixa de amar aqueles que só te trazem moléstia!
A compaixão é o pior fardo que homens e deuses podem prostrar sobre os ombros. O que pensas que és? Um camelo, quiçá? Pois digo-te: deves tornar-te um leão! Deixa de sonhar que estás no deserto e que teu único consolo é encontrar uma alma que ponha sobre tuas corcovas os pesos mais abomináveis; livra-te do que mantem teus pés firmes sobre a areia quente! Entrega-te à dolorosa leveza! Aniquila o dragão em cujas escamas reluz o dito: “Tu deves.” Tu, ó Prometeu, Amante da Razão, já voltou teus ouvidos às palavras de Zaratustra? Sê capaz de dizer o tão sagrado Não; torna-te criança e diz o tão criador Sim!
Fora, ó abutres sedentos por cadáveres imundos! Deixai que o que está acorrentado liberte-se das correntes: assim vos ordeno. Lançai mão de vossa carência por tudo o que é ignominioso e atirai-vos ao abismo profundo de vossas almas! Não importuneis o Amante dos Grilhões, porquanto seu amor está prestes a diluir-se em minhas palavras: tornar-se-á, enfim, livre! Apresento-vos a preciosa luz que espantar-vos-á; refiro-me a ela como egoísmo. Prometeu, deixa de exalar compaixão para que estes vultos que pairam sobre ti enfim mergulhem sob a terra carcomida por vermes! Acorda, ó Prometeu Acorrentado, e liberta-te de tuas cadeias!


Que tipo de sonho sonhaste durante teu sono profundo?