Covarde! Tu és, mil
vezes, covarde! Já não basta a ti grunhir como os porcos e ladrar como os cães:
tu anseias ser porco e também cão! Tu
te enches de uma coragem falha e tímida que só serve para metamorfosear-se em
coisa insignificante na hora de pôr-se em prova. Mesmo os porcos têm vergonha
de teu grunhido aberrante, e mesmo os cães silenciam-se diante de teu ladrar a
fim de discernir a boca que lança sons tão abomináveis. Tu, ó criatura
deformada, rasteja não por ser serpente, senão porque teus membros já não
dispõem de serventia alguma. Avalias que minhas palavras são duras? Pois
digo-te que a verdade faz doer muito mais que a ave que devora tuas vísceras!
Ó Prometeu Acorrentado!
Amo-te como o céu ama o mar, mas teu amor por grilhões impede-me que te socorra
de teu pungente lamento! És de tal forma afeiçoado às correntes que não hesita
em entregar de bom grado o fígado à tua desgraçada águia. Até mesmo confundo-me
quanto aos gritos vindos do alto do Cáucaso, porquanto não posso identifica-los
como motivados por dores ou prazeres. Digo-te, ó Amigo dos Homens: amaldiçoa
Zeus e também Hefesto! Deixa de lado tua covardia e berra a plenos pulmões a
mais variada sorte de injúrias aos teus malfeitores, àquele que te condenou ao
sofrimento diário e àquele que forjou tuas cadeias! Cuspa tua saliva rançosa na
face daqueles que são mais insetos que deuses!
Tu deixaste que te vazassem
os olhos e entregaste de boa vontade tua língua aos lobos. Agora já não vês e
não falas: tornaste-te um cordeiro à mercê dos teus açoitadores. Tua maldição
paira sobre teu semblante esperando que estejas novamente inteiro – assim é que
tua ave aguarda pacientemente a valorosa refeição. Ponho-me a gargalhar
nervosamente quando vislumbro tua figura desnutrida: tua boca espuma pelos
cantos e tu me espias languida e estupidamente como se em teu crânio teus
miolos já houvessem sido moídos. Ai! Esperanço-me que tenha restado em ti uma
fagulha de lucidez para que não te prontificasses a furar teu precioso tímpano!
Se assim tiver sido, imploro-te: ouça-me, ó Ladrão das Chamas!
Ainda há tempo para que
te libertes de tua maldita sina! Se pensas que tua ominosa águia é já tua única
fonte de sensações, estás plenamente enganado. Deixa de imaginar que tua dor
pungente é prazer e abrace o prazer verdadeiro! Prometeu, aguça-te bem os
ouvidos: posso trazer a cura para teus membros inválidos, teus olhos vazados e
tua língua extirpada! Tu podes ser grande como um dia foste; basta que deixes
de lado afeição tão profunda pelas cadeias. O que? Tens compaixão da águia que
se alimenta todos os dias da tua vida e que morrerá de fome caso tu te decidas
pela libertação? Ó criatura estúpida: amaldiçoa tua desgraça! Deixa de amar
aqueles que só te trazem moléstia!
A compaixão é o pior
fardo que homens e deuses podem prostrar sobre os ombros. O que pensas que és?
Um camelo, quiçá? Pois digo-te: deves tornar-te um leão! Deixa de sonhar que
estás no deserto e que teu único consolo é encontrar uma alma que ponha sobre
tuas corcovas os pesos mais abomináveis; livra-te do que mantem teus pés firmes
sobre a areia quente! Entrega-te à dolorosa leveza! Aniquila o dragão em cujas
escamas reluz o dito: “Tu deves.” Tu, ó Prometeu, Amante da Razão, já voltou
teus ouvidos às palavras de Zaratustra? Sê capaz de dizer o tão sagrado Não;
torna-te criança e diz o tão criador Sim!
Fora, ó abutres
sedentos por cadáveres imundos! Deixai que o que está acorrentado liberte-se das
correntes: assim vos ordeno. Lançai mão de vossa carência por tudo o que é
ignominioso e atirai-vos ao abismo profundo de vossas almas! Não importuneis o
Amante dos Grilhões, porquanto seu amor está prestes a diluir-se em minhas palavras:
tornar-se-á, enfim, livre! Apresento-vos a preciosa luz que espantar-vos-á;
refiro-me a ela como egoísmo.
Prometeu, deixa de exalar compaixão para que estes vultos que pairam sobre ti
enfim mergulhem sob a terra carcomida por vermes! Acorda, ó Prometeu
Acorrentado, e liberta-te de tuas cadeias!
Que tipo de sonho
sonhaste durante teu sono profundo?